5 de outubro de 2011

Correndo com Tesouras

De todas as expressões da língua inglesa, uma das que mais gosto é "Running with Scissors" - literalmente "correndo com tesouras" - que significa basicamente o que a imagem sugere: algo entre viver perigosamente, andar em corda bamba ou brincar com fogo.

O que tem me colocado nessa posição de alvo fácil é o fato de começar, através deste blog, a expôr parte das minhas opiniões pessoais e visão profissional. Relendo o que escrevi até agora (2 posts publicados mais 3 incubados) fiquei um pouco apavorada com um dos princípios que eu mesma prego - tudo é sujeito a interpretações.

Nesse âmbito não há como ser autoritária a ponto de forçar essa ou aquela visão, sobre o risco de perder meu próprio parâmetro; bem como não posso ignorar a possibilidade de ver meus textos expressarem opiniões que não são minhas por falta de clareza.

Só me resta tentar explicar da melhor forma possível (dentro dos meus limites, óbvio) e esperar.


De certa forma é até fácil ignorar esse aspecto, uma vez que este blog tem um número meio baixo de visitas e nenhum comentário até agora. Mas já de cara percebi que isso pode ser um erro meu. Na pressa de desabafar conceitos e conclusões fui muito taxativa e pouco estimuladora de um diálogo. Mea culpa, mea maxima culpa.

Então para os poucos que aqui chegarem, este blog estará sempre sujeito a reavaliações, reposicionamentos e aberto a qualquer tipo de sugestão, opinião e comentário!
Outra coisa que me incomodou de cara é a impressão de que sou muito revisionista. O botão de alarme disparou quando reli o primeiro post e me dei conta de que ao editar, cortar, resumir um assunto muito extenso acabei passando a impressão de que queria defender a Independência e criticar o povo. Pior ainda, fiz uma crítica um pouco confusa sobre a participação popular e a elite e sobre o processo de independência do Haiti. 

O que eu gostaria de ter deixado claro no primeiro texto é que existe duas retóricas (ou idéias normalmente defendidas e aceitas) relativas ao evento histórico, em sua construção posterior e utilização - a primeira é uma premissa social brasileira de eleger fatores aparentemente externos, porém fora do alcance da transformação, como culpados pelo processo. "A culpa é de fulano, mas não podemos fazer nada". Essa retórica praticada pela sociedade é perfeita para desistimular todas as moblizações sociais e faz da História um álibi para crimes do tempo presente. A segunda é um pouco mais complexa, de que a participação popular eleva qualquer mudança a um caráter legítimo. Essa é muito perigosa por que parece, de cara, um discurso elitista. "povo não sabe nada", "massa de manobra", etc. O que eu quis passar é muito mais a idéia de que um movimento popular precisa de estruturação. E toda estruturação é sujeita a controle. Daí que temos milhares de civilizações, anos e mais anos de história mundial e nenhuma estrutura social que possa ser dita totalmente democrática e igualitária, capaz de salvaguardar todas as garantias sociais necessárias.

Nesse último ponto é preciso dizer que ainda estamos em um processo. A própria idéia de garantias sociais é um elemento relativamente novo na história da humanidade. 200, 300 anos não são quase nada para que se entenda plenamente o mecanismo que dispõe uma organização social funcional que proteja todos e resolva todos os problemas. E a impressão que fica é que toda sociedade sempre terá grupos internos responsáveis por esse ou aquele mecanismo de exclusão. 

Não é fácil ser humano (trocadilho infame pra quebrar o clima, pode me xingar a vontade).

Se isso mudará um dia, e alguma sociedade invente algum sistema que garanta totalmente tudo a todos, eu sinceramente não sei. Nem cabe a mim responder. Mas deixar claro que parte da minha atribuição como Historiadora, às vezes, é bancar o advogado do diabo e lembrar que determinados mecanismos e processos históricos não são tão simples quanto pensamos, e que toda vez que nos aprofundamos em um assunto, aspectos não tão agradáveis às idéias que gostariamos de defender ficam aparentes.

O que temos sempre que levar em consideração, historiadores ou não, é que toda sociedade é multifacetada, composta de parcelas, grupos sociais, camadas e diferentes formas de interação. Também nem sempre é possível destacar exatamente o que é "popular" e "Elite", ou até mesmo o que é espontâneo ou discurso (se bem que o que é discurso também pode ser espontâneo). Enfim, analisar requer um pouco de sangue frio e estômago forte.

Além disso tudo, em recortes temporais que não sejam nosso tempo presente, existem outros fatores e mentalidades que devem sempre ser levados em consideração. Não podemos julgar o tempo todo como nós vemos o nosso próprio.

Não significa que eu não tenha opinião e que não queira, eu mesma, defender meus pontos de vistas e meus próprios discursos. Só admito que eles são relativos e sujeitos à interpretação de qualquer um. Inclusive a sua, enquanto lê isso.

Talvez por isso eu adore tanto essa expressão. Para alguém que trabalha o tempo todo com análise, edição e recortes históricos parece muito que estou sempre correrendo com tesouras.

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