2 de dezembro de 2011

Nem Toda Nudez Será Castigada

Enquanto algus posts continuam seu processo de incubação e edição, vou fazer o que faço melhor - encher o saco dos meus amigos!

Em tese esse post também ficou um tempinho na incubadora, mas vou posta-lo meio cru por total culpa de sempre ceder à tentação de me meter nos textos alheios e ficar criticando (ou pinçando) conceitos históricos defasados - atitude que venho questionando em mim mesma de uns tempos para cá.

Vou elaborar esse dilema com mais calma, mas por ora fica o post (ou parte dele) original.

Estava como de costume lendo o blog do Daniel, um post sobre uma polêmica gerada por uma mostra de Arte no Rio (post excelente, diga-se de passagem) e ao explicar a diferença de relação com a imagética do corpo e sexualidade na cultura brasileira e na cultura alemã contemporânea (ou pós-contemporânea para os mais puristas), ele levantou uma possível interpretação:

"(...)Você tem razão que o Brasil é um país contraditório na questão da nudez. A resposta é que o Brasil ainda é muito machista. Nudez feminina é muito tolerada. Já a masculina ou de transgêneros, nem tanto. E o Brasil ainda é um país que associa imediatamente a nudez ao sexo e, ainda por cima. vende essa imagem,(...). Na Alemanha eu percebi que as pessoas são bem mais despudoradas em relação ao próprio corpo, mas essa liberdade não se confundia com libertinagem. Vi cartões postais de gente pelada à luz do dia em lugares movimentados de Berlim, mas eu não conseguia sentir o sexo vindo dali, e sim um desapego ao pudor. Deve ser coisa desses povos que não foram colonizados pelos romanos."

O ensino continua refletindo aqueles conceitos errôneos de que "após o declínio de Roma, os povos bárbaros invadiram a Europa e blá blá blá" Mas o que se entende hoje em dia é que na verdade houve uma fusão cultural entre o Império Romano esfacelado e os povos nômades, gerando o que chamamos de cultura Romano-germânica, que seria a base da cultura e sociedade da Idade Média.

Só estou bancando a chata porque ajuda a explicar a lebre que ele levantou - Na verdade os povos ditos germânicos são muito mais herdeiros da cultura romana que nós e, portanto, herdaram da antiguidade a noção de exposição corpórea (e sexual) vinda da religião e das artes antigas, o chamado Classicismo. Essa noção foi discutida e passou por transformações na Idade Média - principalmente com a expansão do cristianismo - mas a persistencia do contato com a cultura antiga permitiu o resgate constante dessa relação, mesmo nas eras modernas e contemporâneas. Diferente de nós, que mais ligados ao imaginário cultural do cristianismo, não tinhamos outra relação para resgatar a não ser o naturismo dos povos pré-colonização.

A presença forte da dinâmica Reforma - Contra-Reforma na região germânica ajuda também a explicar parte dessa relação de resgate e diálogo na construção da imagética da arte européia: a cisão entre a nudez na arte e o puritanismo pessoal, que se tornou um elemento da construção ideológica do Iluminismo sobre a arte (e até mesmo foi re-re-resgatada por Hitler na construção ideológica do Nazismo, em termos da estética do ideal ariano - basta lembrar dos filmes de Riefenstahl).

Estou, nessas curtas explanações, ignorando deliberadamente milhares de pormenores da construção da imagética sexual e artística do lado de cá do Atlântico, bem como todos os casos de estudo de gênero em relação à visão da nudez feminina e a sexualização objetificada. Na verdade um dia planejo me degladiar com o assunto, mas hoje estou meio sem paciência para entrar no terreno pantanoso dos estudos de gênero e a aflição que eles me causam. Sim, sou mulher e não tenho saco (trocadilho infame) para esse tipo de corrente - muitas vezes eles não passam de panfletagem discarada e cometem um dos maiores erros da seara dos estudos sociais: a projeção anacrônica de conflitos sociais. 

Um dia eu falo sobre isso, podem me cobrar.

O que me incomodou foi somente o deslize comum de separar a relação Império Romano e Cultura Germânica, que é pessimamente explicada nas escolas. Principalmente por professores afoitos para pular da Antiguidade para a Idade Média sem estruturar o processo de transformação cultural e social entre os dois.

Existem, dentro e fora do Brasil, milhares de trabalhos sobre essa relação, alguns muito interessantes no campo de imagem e corpo - não só sobre a Antiguidade e Idade Média, como também específicamente sobre a cultura Romano-germânica. Caso seja interessante, volto aqui e listo algumas fontes historiográficas.

Fora que o assunto de construção imagética na Alemanha tem milhares de desdobramentos que cobri aqui porcamente, mas não vou escrever milhões de teses sobre o assunto. Fica a dica de pesquisa, povo.

No momento vou voltar para as minhas anotações de pesquisa e as confusões que tenho me metido atualmente. 

Esperem muitos posts em breve.