Vou dar uma breve pausa nos textos de investigação metodológica e/ou sobre historiografia para comentar algo um pouco mais próximo da minha realidade como pesquisadora.
Eu trabalho (no momento) com uma pesquisa de linha crítico-metodológica em Egito faraônico, mas é impossível não acompanhar os desdobramentos políticos do Egito atual desde janeiro deste ano - no que ficou conhecido como a "Primavera Árabe".
Já de cara eu não gosto muito desse nome: é uma alcunha ocidental sobre conflitos internos de poder em um universo cultural que não é tão homogêneo quanto gostaríamos de admitir. Graças à CNN e outros veículos de notícia somados a uma intensa propaganda orientalista norte-americana passamos a enxergar, no pós 11 de setembro, tudo que leva o título árabe como pertencendo a um grupo étnico-cultural só. Se essa generalização já era comum desde a Idade Média, com a guerra contemporânea ao "terror" ganhou um reforço ainda maior.
De acordo com as informações que nos são impostas todo árabe é mulçumano, todo país mulçumano tem um grupo extremista-radical, todo mundo tem ódio da civilização ocidental (isso por que eles não conhecem o McDonnalds).
Quando Edward Said cunhou o termo Orientalismo pela primeira vez sabia que estava encerrando mais de um conceito em torno da palavra: para ele Orientalismo não só era a prática de diferenciação imagética de uma lógica imperialista que procurava colocar o chamado Ocidente como superior ao conjunto mistificado do Oriente, como também era uma prática de análise cientificista que buscava "explicar" e "entender" o Oriente (tomado todo como um conjunto só) para o Ocidente (esse sim fragmentado culturalmente por ser superior). O orientalismo descrito por Said pode ser facilmente percebido quando aparecem os "especialistas em mundo árabe" em diversos telejornais explicando pra população que árabes são maus e invejam as maravilhas do mundo ocidental que não tem, são cruéis com suas mulheres e radicais em seus pontos de vista.
Construída essa imagem ocidentalizada e revestida de um caráter científico, parece fácil entender o que aconteceu de janeiro pra cá - os povos árabes finalmente se cansaram das suas ditaduras e resolveram que queriam uma democracia perfeita como a nossa [insira sua ironia aqui] e, coitados, mesmo saindo nas ruas e pegando em armas, eles ainda tem que lidar com grupos radicais que querem tomar o poder no segundo imediato e como bons ocidentais, detentores da verdade e justiça, só nos resta acompanhar o processo e impedir que aconteça um massacre. Estados Unidos, União Européia e ONU já foram avisadas para ficar de prontidão caso algum barbudo de turbante tome o poder, e ajudar esses pobres coitados a encontrar o caminho da igualdade, dos direitos humanos e do KFC mais próximo.
Lindo, né?