4 de outubro de 2011

Antes de Tudo, Um Pouco de Nada

Não está sendo fácil começar este blog.

A intenção era clara: passar um pouco do que eu chamo de "bastidores" do meu trabalho. O que faz um historiador e como vê o mundo a sua volta, estando ele relacionado ou não à sua linha de pesquisa.

Mas para isso, teria que considerar os seguintes fatores: 

Primeiro - meu "trabalho" ainda não é um trabalho no sentido literal da palavra. No momento (de sobrevivência entre bicos, outras atividades remuneradas não relacionadas e desemprego formal) não posso associar o que faço com atividades de participação na geração de Produto Interno Bruto. É trabalho no sentido de atividade intelectual direcionada e metodológica. Mas não paga minhas contas, nem põe comida na minha mesa; mas precisa de uma dedicação intensa, cuidado técnico e paciência de um artesão.

Segundo - Bastidores é um termo vago, que nada tem a ver com a análise crítica constante da sociedade e seu contexto cultural. O que eu pretendo expôr aqui é mais um condicionamento involuntário, de tentar entender a sociedade em que vivo e o mundo no qual estou inserida. Involuntário, pois não há como desliga-lo. Além disso discutir um pouco do que vejo e um pouco do que leio.

Terceiro - Seria, não só muita pretensão minha, como também um erro metodológico gravíssimo colocar meu pensamento e minha visão de mundo na posição de visão comum a todos os historiadores. Criar uma coleção de supostas "verdades/bases universalmente aceitas" em um meio acadêmico - o que chamamos de paradigmas - quando parte do trabalho é, justamente, criticar esses paradigmas; Cometendo um pecado que sei que muitos cometem, mesmo pregando contra.

Quarto - Estar relacionado à linha de pesquisa ou não, pouco interfere, uma vez que qualquer historiador que se coloca na posição de investigar um recorte temporal deveria, em tese, acompanhar e considerar seu próprio tempo presente como fator de direcionamento e condicionamento de sua pesquisa. Todos nós somos sujeitos e agentes contextualizados em nosso espaço-tempo. Ignorar isso é pressupor que existe neutralidade em pesquisa. Ou acreditar em Papai Noel.

Mas antes do último e decisivo fator, prestem atenção ao que acabei de fazer. Basicamente eu questionei todos os conceitos das minhas próprias afirmações. Lógico que esse questionamento é limitado pela minha capacidade e visão. Mas isso significa, pelo menos pra mim, que todo e qualquer questionamento sobre um assunto é válido por que contribui para redimensionar o mesmo em diferentes ângulos.

Então chegamos ao quinto fator a ser considerado: Afinal de contas, o que raios faz um historiador?

A resposta a essa pergunta depende da definição de História, o que poderia render não só um post, mas um blog inteiro de discussões. E o historiador nada mais é do que aquele que analisa a história, dentro de um conjunto metodológico, através da crítica documental. Ele não é o único que faz isso, mas esse conjunto (ou esses conjuntos) de método é (ou são) específicos ao seu campo - o que defino aqui como Historiografia - o ato de narrar, através de um estudo crítico-analítico documental, a história de um determinado recorte espaço-temporal em busca de sua contextualização.

Quero deixar claro que isso é minha opinião pessoal (e também profissional, na medida do possível) apesar de ser muito mais fácil dizer o que o historiador não faz:  

Historiador não é calendário, na medida que o tempo é só um dos muitos parâmetros de análise e não preocupa tanto a questão das chamadas "datas comemorativas" ou "datas históricas", a não ser como percepção social da importância de um acontecimento histórico.  

Historiador não escreve história, quem a escreve é a humanidade (ou seja, todo mundo. ok jornalistas?) e não uma parcela ou uma categoria. Historiador faz análise historiográfica. Escreve historiografia. Analisa a história e sim, produz uma narrativa da história. Uma dentre muitas.  

Historiador não escreve "a verdadeira história" ou "a verdade"; até por que verdade não existe. O que existe são interpretações (Foucault básico - "toda linguagem é uma forma de representação" e como representação, interpreta a realidade e a define dentro de uma visão específica).

Historiador não é isento, ele é um agente histórico de seu próprio tempo e também a esse tempo está sujeita sua visão e interpretação, bem como os métodos que ele utiliza.  

Historiador não estuda "fatos históricos", como dito anteriormente, fatos são, muitas vezes, relativos à percepção de uma determinada sociedade ou grupo cultural, bem como o conceito do que é ou não é histórico. O que interessa muito mais ao historiador é a percepção em si, do que o elenco de fatos e acontecimentos narrados por uma presunção de insenção e verdade.  

Historiador não preenche lacunas, nem "junta as peças do quebra cabeça"; história não é feita de elementos consecutivos que se alinham um a um em uma linha do tempo - ela é feita de processos, contextos e relações constantes e inconstantes, que a qualquer momento podem ou não serem redefinidas e reapropriadas. Além disso, a falta de documentos ou lacuna histórica é percebida pelo mesmo como um dado ou indicativo de mudanças no contexto, e ele, teoricamente, é preparado para lidar com o silêncio documental.

Historiador não prova nada através de documentos; mais do que buscar papéis ou cartas que provem alguma coisa, o historiador procura interpretações e percepções do passado, fora isso o que pode ser considerado um documento histórico é relativo: quaisquer resquícios de registro da memória ou atividade humana podem ser considerados documentos - escritos ou não - e até mesmo a memória cultural, história oral, folclore podem e devem ser utilizados como documentação, mesmo que não haja registros formais.

Muitas vezes se define a figura do historiador como aquele que "problematiza" o homem dentro de sua própria História, sem que esse conceito seja plenamente compreendido. O que o historiador faz é pensar como o homem pensa, age e faz sua história. Mas que fique claro que o historiador nunca, jamais, faz História. Seu objeto é o humano - sua memória, suas construções, convicções e ações. Talvez por isso de todas as definições acerca do historiador, a melhor seja a de Marc Bloch em "Apologia da História":  

"O bom historiador é como o gigante do conto de fadas. Ele sabe que quando sente o cheiro de carne humana, ali se encontra sua presa."

Mas a definição mais detalhada de História, eu deixo para os próximos capítulos.

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